VISITA A UMBERTO ECO
Juremir Machado da Silva - Correio do Povo
Na sexta-feira, após voar de Paris a Milão, visitei o intelectual mais citado do mundo, o bestseller Umberto Eco, autor de 'O Nome da Rosa' e outros sucessos planetários. Duas horas de bate-papo inesquecível. Uma experiência antropológica. Instalado em belo apartamento no centro da cidade, o escritor exibia bigode que, segundo ele, só usa uma vez a cada 28 anos. Momento quase histórico. Aos 77, Eco esbanja humor e disposição para a polêmica. Alegre como menino com seus brinquedos, mostrou logo uma primeira edição de 'Ulisses', de James Joyce. Provoquei:
– O senhor leu esse tijolo até o fim?
– Claro, até escrevi sobre ele.
– E o brasileiro Machado de Assis, o senhor leu?
– Não. Mas li um livro de um francês que ensina a falar de livros que a gente não leu como se os tivesse lido.
Fiz essa pergunta sobre Machado de Assis a mais dez intelectuais em Paris (argentinos, franceses, espanhóis e australianos). Nenhum leu Machado de Assis. Bebi três cervejas com Eco (7,5 graus de álcool) e convidei-o novamente a vir ao Brasil. Disse não querer mais fazer longas viagens e por ser na América do Sul. Pedi para ele explicar.
Teme os jornalistas. Não o deixariam em paz. Pediriam sua opinião sobre tudo. Mostrou a biblioteca. Saltitava de simpatia:
– Quantos livros o senhor tem neste apartamento?
– 30 mil. Apenas o necessário.
Eu quis saber se ele lia os romancistas de hoje. 'Não. Fico com ódio quando são melhores do que eu. E com ódio quando são piores'.
– Como o senhor vê as resenhas literárias na mídia?
– Idiotas. O sujeito lê um livro em três dias e escreve julgamento definitivo. Levei 30 anos para dizer algo consistente sobre certos autores e ainda tenho dúvidas. Os resenhistas me elogiam por más razões e não percebem o que há realmente de interessante em meus livros. Limitam-se a repetir clichês.
Disse-lhe que o mesmo acontecia comigo. Rimos. Entramos numa pequena livraria do centro de Mião. Ele fez um discurso de inauguração de três minutos. Bebemos champanha para comemorar nossa amizade pós-moderna. Falamos da crise econômica mundial, seu desinteresse por futebol, boas notícias sobre Lula na Itália, sua preferência por Obama, seu horror a Berlusconi e da sua paixão por Paris, onde tem apartamento. Lembrei que havia feito seu curso no Colégio da França. Ele me fitou espantado: 'Claro, eu lhe concedi entrevista'. Fiquei pasmo com a memória.
Perguntei se podia andar em paz na rua. Contou que só é incomodado nos vagões de primeira classe nos trens. Para escapar dos eruditos chiques, entra na segunda. Aí o perigo são os estudantes. Falamos de romances policiais. Na despedida, Eco sussurrou um estímulo: 'Escreva, não se preocupe com críticas ou com a falta delas. Só não se aposente. A gente trabalha o dobro depois de aposentado'.
(versão sintetizada)
Fonte: BLOG do DIVINO - jornalismo e comunicação
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