Por Arthur Gandini em 17/11/2015 na edição 877 do Observatório da Imprensa
No mundo imaginário da cobertura que a imprensa do Brasil impõe à opinião pública, é algo comum do cotidiano, jovens do ensino médio ocuparem os prédios de colégios estaduais para protestar contra o governador do estado pelo fechamento de 94 escolas, o que irá atingir 311 mil alunos que terão, por sua vez, que continuar seus estudos em outros locais, talvez longe de casa. O rompimento da barragem da mineradora Samarco em Mariana (MG) que devastou a cidade e já atinge outros nove municípios em dois estados – colocou Governador Valadares (MG) em estado de calamidade pública e deve assassinar a quinta maior bacia hidrográfica do país – não resulta em editoriais e colunas inflamadas contra o que a empresa privada trata como apenas um simples acidente. O site da Samarco enuncia: “Acompanhe as informações e comunicados oficiais sobre o acidente envolvendo as barragens de Fundão e de Santarém.”
A mídia parece ter aceitado essa tese e seguir trabalhando como uma assessoria de imprensa da mineradora: noticia os fatos decorrentes do rompimento da barragem e os auxílios da mineradora às famílias e cidades afetadas. Não há uma reflexão sobre as consequências dos descuidos do setor privado motivado pelo lucro para toda uma coletividade. Não é uma questão aqui de falta de discussão sobre o mercado: poderia se discutir o custo social (um termo usado entre os economistas) do trabalho de uma mineradora. Trata-se de uma seletividade do que abordar e criticar. A mídia, entretanto, paralisa sua cobertura rotineira para noticiar os fatos decorrentes do atentado do Estado Islâmico à França na última sexta-feira (13/11). Os ataques mataram 129 pessoas e feriram 352.
Em uma rápida verificação em portais de notícias no momento em que este artigo era escrito, no domingo (15/11), percebe-se o espaço dado ao fato. No portal G1, de 27 notícias na página principal às 10h51, exatamente metade era relacionada aos atentados. Apenas uma tinha relação com a lama tóxica que continua a avançar pelo Rio Doce. O destaque também era dado aos atentados nas páginas iniciais dos sites R7, UOL, Folha de S.Paulo e Estadao.com.br, mas com espaço menor, já que as homes destes portais possuem espaços mais ou menos delimitados para as várias editorias de notícias.
Valores-notícia
A página inicial do site de notícias das Organizações Globo não é presa a essa demarcação. A formulação teórica do gatekeeping é um método interessante de analisar o comportamento de costume da imprensa, perceber o que foge ao comum e, assim, tentar estabelecer os porquês. Conforme Jorge Pedro Sousa (http://goo.gl/kEapYv), valores-notícias explicam por que determinados fatos ganham mais espaço da mídia.
Vejamos alguns deles: Momento e Frequência (fato tem mais chance de ser noticiado quanto mais foi recente ou frequente), Intensidade e Magnitude (acontecimento tem mais chance se transformar em notícia o quanto mais foi profundo ou envolver mais pessoas e fatos), Consonância com as Expectativas (acontecimento que se assemelha mais ou menos ao que costuma ser noticiado e se adequa ao que os jornalistas enxergam como notícia), Proeminência Social (fato tem mais chance de ser noticiado o quanto mais próximo for do público, seja geograficamente ou de maneira abstrata, como culturalmente), Proeminência das Nações Envolvidas (fato relacionado a um país com maior destaque mundial tem mais noticiabilidade do que um relacionado a uma nação avaliada como menos importante), Equilíbrio (fato equilibra o noticiário do ponto de vista temático, sem deixar um tipo de assunto ter volume maior do que outro), Inesperado (o quanto menos previsível for o acontecimento, mais noticiabilidade ele tem) e Negatividade (o que tem caráter mais negativo, tem mais chance de virar notícia, de modo que “as más notícias são as boas notícias”).
Destes oito valores notícias, apenas dois justificam uma maior cobertura dos atentados da França, em relação ao costume dos veículos midiáticos noticiarem atentados de grupos terroristas e à importância do país europeu para o mundo, uma das principais potências da União Europeia. O desastre ambiental que deve se ampliar mais após o rompimento da barragem em Mariana (MG) é algo mais raro de se acontecer, de maiores consequências, mais próximo geograficamente dos brasileiros, mais imprevisível e por conta de sua magnitude, algo de cunha mais negativo. O portal G1 ilustra bem como o valor-notícia do Equilíbrio é quebrado quando o site deixa de destacar fatos de diversos outros tipos de assuntos para dedicar metade de sua página inicial a sua editoria Mundo. O fato de um atentado na Europa ser algo mais comum de ser noticiado e menos inesperado de ocorrer, mas mesmo assim ter recebido grande destaque, ilustra o compromisso da mídia com determinados valores. Já saíamos aqui da comparação do destaque ao desastre Mariana (MG) com o dos atentados, até porque o primeiro fato não recebeu grande destaque desde quando devastou a cidade turística, a primeira vila, cidade e capital do estado.
Leia a íntegra no Observatório da Imprensa
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